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Crianças em risco: afetos e
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Andreia Lobo |
2010-11-29 |
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Proteção de crianças e jovens em risco, despiste de
fatores familiares prejudiciais ao desenvolvimento afetivo e físico e a
problemática da vinculação afetiva foram alguns dos temas que encerraram um
curso de formação parental promovido em parceria entre a CrescerSer - Associação
Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família e o Serviço de Pediatria do
Hospital São João, no Porto. |
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A vinculação é a
origem do afeto. Trata-se de uma ligação particular a uma figura próxima que
cuida da criança. Desenvolve-se, principalmente, entre os 6 meses e os 3 anos e
serve de base a todo o desenvolvimento. Logo, as crianças que são abandonadas ou
perdem as figuras a quem estão vinculadas, dentro desta fase, podem ter uma
paragem, ou um certo atraso, no desenvolvimento emocional e da linguagem. Mas
podem surgir outros sintomas: depressão, apatia. E, mais tarde: ansiedade
perante as perdas.
O medo de voltar a perder as pessoas que encontra
origina que a criança não estabeleça laços profundos para não voltar a sofrer. A
criança torna-se mais superficial com as pessoas que a rodeiam. E até mais
materialista. Vai achar que gostar é satisfazerem-lhe as vontades. Estabelece
então relações de "tudo ou nada". Do género "ou fazes tudo o que eu quero e
gostas de mim, ou se me contrarias és meu inimigo". E são este tipo de relações
perigosas que podem levar a comportamentos de risco.
Todas estas questões
foram abordadas por Alda Mira Coelho, pedopsiquiatra, no Serviço de Pediatria do
Hospital São João, durante uma sessão de informação sobre "Crianças em risco"
que decorreu no passado sábado. Foi a última de um conjunto de ações de formação
parental, promovidas em parceria entre a associação Crescer Ser e aquela
instituição hospitalar do Porto.
Para Alda Mira Coelho, são as crianças e
jovens que passaram por muitas perdas afetivas, tiveram vinculações perturbadas
ou disfuncionais, e sofreram muitas ruturas acabando por não estabelecer um
vínculo estável e seguro "que, mais tarde, podem com mais facilidade entregar-se
a comportamentos de risco". Desenvolvem relações de "tudo ou nada", não aceitam
as frustrações facilmente e revoltam-se de forma impulsiva, podendo até
tornar-se antissociais, refere a pedopsiquiatra. "Não quer dizer que isto
aconteça sempre assim, mas as perturbações de vinculação podem ser fatores de
risco bastante grandes que levem mais tarde a comportamentos antissociais."
Estas "ruturas afetivas", constata diariamente no serviço de Pediatria,
"deixam marcas na história pessoal destas crianças". "Daí a nossa preocupação em
tentar evitar que elas sejam feitas." Uma dessas tentativas está no evitar a
institucionalização "sempre que possível". Mas se não for: "É preciso tentar uma
reparação dessas perdas afetivas, o mais precocemente possível, isto é,
promovendo relações afetivas substitutas para aquela criança, que lhe deem a
estabilidade necessária para crescer segura e ser capaz de desenvolver a
capacidade de amar e efetuar as etapas de crescimento sem cair em comportamentos
de risco."
Sem essa reparação, ou essa "segurança nas relações
afetivas", "as crianças não são completamente autónomas, acabam por tornar-se
dependentes de outras pessoas, com relações doentias e patológicas, ou
dependentes de substâncias, como as drogas", conclui.
O que é
estar em risco? "As situações de risco mais habituais são aquelas
em que a criança é vítima de maus tratos físicos, psicológicos ou de negligência
grave", responde Alda Mira Coelho. Bater é a forma mais visível deste triângulo
de risco. Menos visíveis são a "crítica permanente, a falta de carinho e
proteção, a humilhação pública, que também constituem maus tratos e podem
perturbar o desenvolvimento da criança", alerta. "A negligência grave acontece
quando os pais não são capazes de dar à criança os cuidados de saúde, higiene,
alimentação que precisa." Os motivos para esta incapacidade podem ser vários:
perturbações psiquiátricas, depressões graves, abuso de álcool, drogas. Há ainda
os casos de abandono, em que as crianças são deixadas nos hospitais ou na rua.
"O abuso sexual intrafamiliar, na maioria dos casos, também é frequente
entre as situações de risco", salienta Alda Mira Coelho, explicando que "muitas
vezes, a criança, quando é pequena, nem se apercebe do que lhe está a acontecer,
outras vezes sente-se ameaçada pelo abusador que a impede assim de contar, ou
então a própria criança tem uma ligação afetiva ao abusador e não quer contar
para não criar problemas dentro da família". "Isto é um peso muito grande para
as crianças e leva-as a ter sentimentos de culpa muito marcados. Tudo isto são
situações em que a criança está em risco e deve ser protegida."
Sinais de alarme
"Não é obrigatório que as
crianças com estes sinais estejam em risco, mas quando se verificam em conjunto,
devemos, pelo menos, perceber que alguma coisa não está bem e tentar investigar
o que se passa", alerta Alda Mira Coelho. Súbita perda de rendimento escolar,
dificuldade de concentração, instabilidade emocional (ora chora, ora ri),
tristeza, agressividade, alienação, marcas frequentes no corpo, "são sinais que
têm de fazer pensar quem os vê".
A estes juntam-se outros: manifestações
de insegurança e inibição; dificuldades de relacionamento; ansiedade ligada a
estados de vigilância, "como se a criança tivesse medo de alguma coisa, de se
expor ou de que alguém lhe faça mal"; falta de vontade ou medo em voltar para
casa; apresentação de comportamentos erotizados. "Podem-nos indicar que a
criança está a ser sujeita ou a presenciar situações que não são próprias para a
sua idade."
Sintomas de carência excessiva também devem alertar
educadores e professores. "Uma criança que está constantemente a agarrar-se a
toda a gente, de modo indiferencial e a pedir mimos e abraços a todas as pessoas
que lhe aparecem, deve fazer-nos pensar que algo não está bem com ela."
Como orientar? É a questão que se coloca depois de sinalizada a situação
de risco. Alda Mira Coelho esclarece: "Situações onde existem fortes suspeitas
de que alguma coisa não está bem devem ser comunicadas às Comissões de Proteção
de Crianças e Jovens." "Mas há que ter muito cuidado, antes de levantar essas
suspeitas", avisa a profissional de pediatria, "todos os factos têm de ser
analisados com rigor".
Alda Mira Coelho defende que "uma boa maneira de
trabalhar estas situações seria através da nomeação de um gestor de caso para
acompanhar cada família que esteja em risco, ou seja, sinalizada". Mas isto pode
não ser tão linear. "Obviamente, não pode haver um gestor por família, por falta
de recursos, mas também não pode haver um com cem famílias, porque assim o
trabalho não pode ser feito da maneira adequada", critica.
Na sua
opinião, "o ideal era que o gestor de caso não tivesse mais de dez situações,
para poder transformar-se numa espécie de vínculo para a família e a criança". A
pedopsiquiatra insistiu ainda na importância da formação destes técnicos, nas
áreas da mediação familiar e da comunicação. "Sem preparação, o gestor de caso
não vai conseguir ganhar a criança nem trabalhar a família para tentar uma nova
vinculação. A família precisa de sentir que o gestor de caso está ali para a
apoiar e não para lhe retirar a criança e a culpabilizar." Até porque, nas
situações em que se verifique que a institucionalização é a única alternativa, o
gestor de caso é quem deverá dar as devidas explicações à família e à criança.
Institucionalização
Trata-se de um perfil comum
às crianças e jovens institucionalizados. "Passaram quase sempre por perdas,
assistiram a coisas que não deviam em relação às pessoas de quem gostavam, não
tiveram laços afetivos seguros ou controlados, ou tiveram, mas perderam-nos
porque foram retiradas à sua família, por fatores de risco, então são
vulneráveis, carentes e muito revoltadas".
E se a tal rutura for
prolongada, sem que se faça a tal reparação afetiva, de que Alda Mira Coelho
falava, ou "se houver sucessiva rutura, como passar de uma família para um
colégio, daí para uma instituição e depois para uma família de acolhimento, isto
só vai levar a que a criança fique ainda mais insegura e incapaz de estabelecer
laços". Por isso, uma das preocupações de quem trabalha no sistema de proteção
deve ser evitar que todas estas ruturas aconteçam.
O impacto da
institucionalização deixa sintomas nas crianças. Sobretudo naquelas que passam
longos períodos nas instituições. Alda Mira Coelho traça um quadro geral das
problemáticas mais comuns: "Ansiedade difusa, ou seja, medo sem saber de quê,
nem porquê, podendo refletir-se em alterações de sono, pesadelos, perdas de
controlo da urina ou das fezes durante a noite; estagnação no desenvolvimento da
linguagem e dos pensamentos abstratos, o que se vai refletir no aproveitamento
escolar; falta de autocontrolar, são muito instáveis e desorganizadas, com um
comportamento caótico." E "como têm muitas vezes um desenvolvimento emocional
pobre, e dificuldade em refletir e expressar as suas emoções, estas crianças
falam mais através do corpo. As queixas somáticas são frequentes, como as dores
de barriga, de cabeça...", conclui.
Já nos adolescentes, "são frequentes
as alterações de comportamento, a agressividade e o furto, ligado à carência
afetiva precoce". Alda Mira Coelho explica este comportamento: "É como se o
jovem tivesse um vazio lá dentro que não consegue preencher e por isso tem de ir
buscar coisas que lhe dão prazer." A busca pela satisfação pode ainda gerar um
apetite excessivo por guloseimas, ou a sensação de estar sempre com fome. "As
crianças que tiveram perdas afetivas precocemente estão constantemente a pedir
guloseimas ou prendas, ou sempre a pedir coisas, porque estão permanentemente
insatisfeitas."
Mais tarde, salienta Alda Mira Coelho, "se não houver
reparação afetiva nem modelos adequados que ajudem estas crianças a recuperar,
este tipo de comportamentos pode levá-las a estabelecer relações superficiais,
muitas vezes com uma ausência de culpabilidade, em que se preocupam apenas em
obter o prazer imediato e que pode levá-las a situações de risco, nomeadamente
delinquentes".
Alguns procedimentos por parte dos envolvidos na proteção
podem minimizar os danos emocionais nas crianças e jovens. Segundo Alda Mira
Coelho, isto passa por "evitar retirar a criança à família de forma violenta ou
traumática, sendo já este um último recurso; não dizer mal dos progenitores,
protegendo a imagem que elas têm; nunca dizer à criança que os pais a
abandonaram, até porque muitas vezes não foi mesmo um abandono, mas
circunstâncias da vida ou fatores de risco que originaram a que tivessem de ser
protegidas; desde que haja garantias de segurança para a criança, manter os
contactos com os pais ou familiares; nunca culpabilizar a criança pela sua
situação; e, para que a criança institucionalizada consiga estabelecer alguns
vínculos, deve-se evitar a mudança de espaços".
Ao longo de 7 meses, o
projeto de formação de famílias "Ajudar a Educar" levou a várias juntas de
freguesia da cidade do Porto especialistas em pedopsiquiatria, psicologia,
pediatria, obstetrícia e serviço social para fornecer às famílias informações
nestas áreas. Alda Mira Coelho, pedopsiquiatra do serviço de Pediatria do
Hospital São João, no Porto, e mentora do projeto salienta a importância de
formar os pais para lidar com situações que perturbam a sua função de
progenitores.
Em retrospetiva, as sessões abordaram o desenvolvimento
psicoafetivo e físico da criança; cuidados durante a gestação e planeamento
familiar; insucesso escolar, violência e comportamentos de risco na
adolescência; comunicação intrafamiliar, equipamentos sociais para problemáticas
de risco, e, por último, as problemáticas que podem surgir em crianças
institucionalizadas.
"Ao longo de todas as sessões foi dado algum
material aos pais, os textos em Word das apresentações realizadas pelos
especialistas, com o objetivo de fornecer uma espécie de curso", refere Alda
Mira Coelho. Os pais que seguiram todas as sessões tiveram um diploma "para
poderem dizer que frequentaram um curso de Educação Parental", acrescenta.
"Muitos destes pais são carenciados e esta foi uma forma de os motivar e
melhorar a sua autoestima e a relação com as suas crianças."
No entanto,
o nível de participação das famílias nas sessões ficou aquém das expectativas
dos organizadores. Ana Moutinho, diretora da Casa de Cedofeita, um centro de
acolhimento da associação CrescerSer, acredita que a mensagem talvez não tivesse
chegado aos destinatários. Ainda assim, a diretora salienta a importância de
ações deste género. "Não vamos deixar de investir na capacitação das famílias,
mas vamos pensar fazê-lo num outro formato." |
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