A lista de motivos que distanciaram a cantiga e a roda das
brincadeiras infantis é grande. Os edifícios e suas minúsculas áreas de lazer
engoliram literalmente os quintais amplos nas grandes cidades, A insegurança
afugentou das ruas as crianças, Ao mesmo tempo, com velocidade espantosa, a
mídia transforma em modismo musical e comportamental a dança da garrafa e
outras, que, no máximo, exigem da meninada capacidade de imitação.
Longe
do círculo, das lendas e das cantigas de roda, os baixinhos deixam de ganhar uma
grande contribuição para seu desenvolvimento social, cultural e emocional.
Ao
longo da História, esse passatempo transmitiu histórias, lendas, cultura.
E consolidou o vínculo afetivo de muitas gerações, que se deram
as mãos, cantaram e dançaram juntas, falando a mesma linguagem, apesar da
mudança dos tempos. A cantiga e a roda sempre representaram uma das sólidas
pontes entre as avós e seus netos, por exemplo.
Senhoras e crianças recitaram o mesmo verso, cada uma em seu
tempo e, mais tarde, na mesma roda – cúmplices uma da outra. Brincando com
símbolos, assumindo papéis diferentes na representação, ou simplesmente
recitando um verso no centro da roda, os baixinhos “vestem” diferentes
personalidades e experimentam distintas emoções – vivências que os ajudam a
construir a própria identidade.
No vai-e-vem da roda, a criançada vai descobrindo a harmonia
dos movimentos do próprio corpo e a musicalidade de sua voz.
Arcas
encantadas. De mãos dadas no círculo, ou dentro dele, as crianças têm a
oportunidade de exercitar sua desenvoltura, de compartilhar alegria, afeto e
aprovação dos amiguinhos. Também têm a chance de se projetar no grupo.
Brincando, elas exercitam sua capacidade de socialização,
habilidade necessária em qualquer ambiente que exija convivência e traquejo
social. Ao longo da vida, a “roda” terá cenários bem mais amplos: a escola, o
trabalho, a cidade, o país e a família que o adulto vier a formar.
E embora não seja o remédio para todos os males, as cantigas de
roda podem até favorecer, nessa idade, a convivência dos clubes do bolinha e da
luluzinha, sem maiores desavenças.
De verso em verso, as músicas e as danças
também mantêm vivas a história e a cultura de um determinado país ou região.
É o que se vê, por exemplo, em o Peixe Vivo, canção que relata
a lenda amazônica do boto, que seduzia as jovens solteiras dos povoados
ribeirinhos.
Engana-se quem imaginar que as qualidades dessas ricas
musiquinhas terminam por aí. Elas são fortes aliadas também na hora de ensinar a
meninada a ler e a escrever. Os especialistas afirmam que a familiaridade com
textos conhecidos e apreciados pelos baixinhos facilita a alfabetização.
Perceber que a combinação de determinadas letrinhas resulta em
cada uma das palavras do refrão de uma cantiga conhecida é muito mais gostoso e
interessante do que aprender a ler e escrever palavras isoladas. Isso, dizem
esses profissionais, aumenta a capacidade de compreensão da criança que, assim,
tem mais possibilidades de interpretar e conhecer o mundo em que vive.
As cantigas podem ser comparadas a baús que guardam diferentes
tesouros. Por isso tem crescido o número de educadores e músicos que procuram
recuperar a força e o brilho dessas arcas encantadas.
Todo mundo sabe que as
crianças gostam mesmo é de brincar... Brincar é sua vida... sua expressão mais
espontânea e original... sua atividade principal, sua atmosfera.
A brincadeira educa e deseduca, escraviza e liberta, os gestos,
as atitudes de amizade, de partilha, de solidariedade,de serviço, de justiça, de
atenção aos mais fracos, nas quais concretizam o Reino de Deus, o Mundo Novo;
mas também é possível identificar as atitudes egoístas, gestos que revelam o
espírito de ambição, de competição, atitudes de dominação, de idéias e
expressões machistas, racistas, de marginalização, de exploração, de
violência...
A Brincadeira é coisa séria mesmo, neste mundo de hoje, da
tecnologia, da mídia, da cultura de massas, da massificação alienante do povo,
resgatar as brincadeiras tradicionais, as antigas cantigas de rodas, os jogos
tradicionais, as músicas do folclore infantil, os contos, que constituem as
raízes de nossa identidade cultural...
Apreciar os gestos e atitudes que aí
se dão... Ensinar para as crianças essas coisas, livrando-as da atenção
exclusiva à televisão, aos programas que mutilam a sua mente e inculcam valores
e práticas nocivos. A brincadeira, o jogo, a história, o conto, tornam-se assim
instrumentos e subsídios no processo de conscientização e evangelização das
crianças e dos adolescentes, sobre a realidade e o mundo a seu redor.
É o espelho da sociedade, dos valores e costumes, ajudando a
enxergar a trama, o jogo de forças e interesses, e a perceber os
desafios.
Mas é preciso educar o "olhar do acompanhante" a cada brincadeira,
educar seu ouvido a cada cantiga, a cada história... Sensibilizá-lo para os
elementos que cada coisa oferece para a reflexão. Criar a pedagogia e a didática
da brincadeira, da cantiga, da historinha.
por Erika Mello
Post Profª Raquel Fernandes